Domingo, 29 Abril 2018 20:00

O Pantanal sob Ameaça

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O Pantanal, maior área úmida alagável do planeta, é uma região exuberante, de beleza incomensurável e que presta inúmeros serviços ambientais essenciais à nossa sobrevivência, como a purificação das águas, a regulagem do ciclo hidrológico e a estabilização do microclima regional, sendo também uma rica fonte de fibras e proteínas essenciais para o nosso bem estar. Decretada como Patrimônio Natural da Humanidade pela UNESCO em 2000, recebemos dos nossos antepassadas essa região, que é única pela diversidade cultural e biológica que abriga, mas… até quando?

O Pantanal é um ecossistema frágil, cuja ocupação pelo homem remonta há pouco mais de 300 anos, quando colonizadores espanhóis e portugueses introduziram o gado e junto com este o cavalo, como principal meio de transporte. A região adaptou-se muito bem à presença destes animais, de tal maneira que hoje eles integram a sua paisagem, sendo fundamentais para a preservação ambiental da região, pois no período das secas, pisoteiam e alimentam-se da biomassa, evitando incêndios que poderiam causar grande destruição.

Nos últimos 40 anos, no entanto, a perda de competitividade econômica do gado pantaneiro tem causado uma acentuada redução no rebanho, com o consequente barateamento das terras e a sua aquisição por novos proprietários provenientes, muitas vezes, de outras regiões do país. A saída do gado e a perda do modo tradicional de manejo das terras pantaneiras tem sido motivo de preocupação por conta dos impactos ambientais daí advindos. Não bastasse isso, a agricultura em larga escala, praticada no planalto, quando em desarmonia com a legislação e sem os devidos cuidados, ocasiona a compactação dos solos, o assoreamento dos rios e a contaminação das águas por pesticidas. O rio Taquari, em Mato Grosso do Sul, é emblemático desta situação e dispensa comentários.

No caso de Mato Grosso, a baixada cuiabana vem, até o momento, servindo como zona-tampão; ou seja, os danos ambientais gerados no planalto são amortecidos nessa região, atingindo o Pantanal com menor intensidade e fazendo com que, até o momento, este ecossistema, apesar dos impactos que já vem sofrendo – e quem viaja pelos rios Cuiabá e Paraguai pode observar tais estragos sem dificuldade – ainda se mantenha relativamente bem conservado.

Ocorre que, em anos recentes, iniciou-se um movimento de plantio de soja na baixada cuiabana, notadamente em Poconé. Isso é bastante preocupante, pois a zona que antes era tampão, agora passou a ser diretamente impactada. Acresce-se a essa preocupação o recente fato de a presidente Dilma Rousseff ter afrouxado os critérios para a liberação de agroquímicos; explico: para liberar a comercialização destas substâncias, até há pouco, era necessário o “de acordo” da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, do IBAMA e do Ministério da Agricultura. Atualmente, esta atribuição está restrita aos técnicos do ministério da agricultura que, obviamente, enxergam o problema por um único prisma, para dizer o mínimo. Atualmente, o Brasil é o maior importador de agrotóxicos, sendo que 14 dessas substâncias, que são proibidas em outros países, aqui são comercializadas sem grandes restrições.

Imaginem de agora em diante, com o afrouxamento nos critérios para a liberação destes compostos, como é que vamos ficar! Para piorar ainda mais, a soja hoje plantada em nosso país é quase que exclusivamente transgênica, demandando massivas aplicações de biocidas. O consumo médio anual de agrotóxicos por habitante no país é de cinco litros. Em Lucas do Rio Verde, cidade detentora de um dos maiores IDHs do Brasil e que tem a soja como pilar de sua pujante economia, este consumo é de 136 litros! As consequências deste consumo para a saúde e o meio ambiente da região são preocupantes e foram objeto de um recente estudo realizado por pesquisadores da UFMT. É este pois, o cenário provável para a baixada cuiabana e, por conseguinte, para o Pantanal em futuro breve.

O grande problema é a falta de uma legislação adequada, que incentive práticas de manejo ambientalmente sustentáveis, impondo limites ao uso destes contaminantes sem, no entanto, inibir esta atividade, de vital importância econômica para o estado. O marco regulatório adequado para a conservação e uso sustentável do Pantanal deveria, além de estabelecer clara e adequadamente os limites da região sobre a qual se legisla, levar também em consideração as interações Planalto-Planície, posto que são vasos comunicantes.

” A soja hoje plantada em nosso país é quase que exclusivamente transgênica, demandando massivas aplicações de biocidas”

O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas (INCT-Áreas Úmidas) e o Centro de Pesquisas do Pantanal (CPP) vem atuando nesse sentido. Recentemente, cientistas ligados ao INCT e ao CPP publicaram um “Sistema de Classificação de habitats do Pantanal”. Estes cientistas, em parceria com pesquisadores de outras regiões do Brasil, publicaram também um “Sistema de Classificação de Áreas Úmidas”. Estes dois trabalhos servirão de base para uma série de discussões que terão como finalidade última contribuir para a elaboração de uma legislação que possa, enfim, garantir a conservação e o uso sustentável do Pantanal e de outras áreas úmidas semelhantes.

Ao mesmo tempo, a Aprosoja tem procurado as principais universidades do estado com a proposta de criação de um programa de pesquisa voltado à temática da “sustentabilidade da soja”. Este programa seria realizado em parceria com uma universidade holandesa, líder no setor, e com o possível apoio da CAPES. Seria uma luz no fim do túnel?

Paulo Teixeira de Sousa Jr é PhD  e professor da Universidade Federal de Mato Grosso, membro do  Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas – INCT-Áreas Úmidas e do Centro de Pesquisas do Pantanal – CPP

Publicado no jornal eletrônico 24HorasNews no dia 19/03/2014

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